Brasília — Para evitar a interrupção de serviços federais, o governo Lula tem recorrido a artifícios fiscais que, segundo economistas, apenas empurram o problema para a frente e elevam o risco de colapso das contas públicas. Especialistas alertam que, mantido o ritmo atual, a dívida bruta pode alcançar 100% do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos.
Déficit persistente e juros recordes
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, calcula que a projeção de endividamento de 100% do PIB decorre de um cenário em que o Brasil já paga juros reais de 9,74% ao ano — a segunda maior taxa do mundo, atrás apenas da Turquia, de acordo com a consultoria MoneYou.
De novembro de 2014 a outubro de 2025, a dívida bruta avançou de 56,1% para 78,6% do PIB, mostram dados do Banco Central. Durante esse período, as despesas obrigatórias passaram a consumir mais de 90% do orçamento federal.
Gasto rígido pressiona contas
Estudos de Samuel Pessoa (FGV Ibre), Mansueto Almeida e Fábio Serrano (BTG Pactual) apontam que o envelhecimento da população eleva despesas previdenciárias e assistenciais. Brasileiros com mais de 60 anos representavam 5,1% da população em 1970, 15,6% em 2022 e devem chegar a 37,8% em 2070, segundo o IBGE.
Grande parte desses benefícios está indexada ao salário mínimo. Desde 2023, a remuneração básica voltou a ter reajuste acima da inflação quando há crescimento econômico, ampliando automaticamente o valor das aposentadorias e pensões.
Estratégias para escapar do teto
Para cumprir formalmente as metas do novo arcabouço fiscal, o governo lançou mão de duas frentes principais:
- Emenda Constitucional 136: retirou parte dos precatórios do cálculo do resultado primário.
- Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): investimentos foram excluídos do limite de gastos, usando estatais como executoras.
O Congresso também autorizou excluir até R$ 5 bilhões anuais em despesas de Defesa e, em 2026, mais R$ 10 bilhões para estatais — medida vista como socorro aos Correios. Somando todas as exceções desde o início do mandato, o total já supera R$ 330 bilhões.
Dois anos de fôlego
Luiz Guilherme Schymura, do FGV Ibre, avalia que as manobras empurraram o risco de shutdown de 2027 para 2029. O alívio, porém, vem acompanhado de juros nominais em 15% ao ano, patamar mais alto em 19 anos, o que encarece o serviço da dívida.
Superávit raro
Desde 2014, o déficit primário tornou-se regra. Entre novembro de 2021 e maio de 2023 houve superávit, puxado por receitas extraordinárias. No terceiro mandato de Lula, apenas 7 dos 33 meses até setembro de 2024 fecharam no azul, indica o Banco Central.
Quando a máquina para
Com mais de 90% do orçamento comprometido, sobra menos de 10% para despesas discricionárias — responsáveis por manter escolas, hospitais e órgãos administrativos funcionando. Caso esses recursos se esgotem, serviços podem ser suspensos, configurando o chamado shutdown.
Aposta no crescimento
A alternativa do governo é confiar que a atividade econômica avance o bastante para elevar a arrecadação e evitar cortes em benefícios vinculados. Para pesquisadores como Thiago Sbardelotto (XP Investimentos), essa estratégia é arriscada, pois ignora a dinâmica ascendente dos gastos obrigatórios.
A tensão entre rigidez de despesas, déficit contínuo e juros elevados mantém o risco fiscal no centro do debate e lança dúvidas sobre a sustentabilidade do atual arcabouço.
Com informações de Gazeta do Povo