Uma nova rodada de tarifas adotada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem provocado rupturas em alianças históricas, reconfigurado cadeias produtivas e realinhado fluxos de comércio global. Especialistas interpretam o movimento como uma retomada da política do “Big Stick” — o “grande porrete” popularizado por Theodore Roosevelt no início do século 20 — agora direcionada principalmente à China.
Foco além da América Latina
Diferentemente de Roosevelt, que concentrava sua atenção na América Latina sob o lema “América para os americanos”, Trump amplia o alcance da pressão tarifária. “O pano de fundo é conter a ascensão chinesa”, afirma Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Leonardo Paz Neves, do Núcleo de Inteligência Internacional da FGV, observa que o republicano busca recolocar os EUA em posição de vantagem “transversal” no sistema global, mas seu “xadrez com a China é errático e indefinido”.
China prepara terreno
Desde a crise financeira de 2008, Pequim vem fortalecendo o mercado interno e diversificando parcerias comerciais para reduzir a dependência das exportações aos EUA. A estratégia incluiu a ampliação do uso de terras raras como instrumento de barganha: ao restringir a venda de sete elementos críticos, a China pressionou Washington a recuar em tarifas que chegaram a 145% e hoje giram em torno de 30%.
Reindustrialização norte-americana
Trump aposta em repatriar linhas de produção para o território norte-americano. Por meio de tarifas, pretende impulsionar setores estratégicos, criar empregos e diminuir o déficit comercial. Em junho de 2025, o saldo negativo nas trocas externas caiu para US$ 60,2 bilhões, o menor desde setembro de 2023. Ainda assim, Ribeiro classifica como “ilusória” a ideia de que o trabalhador médio dos EUA aceitará postos em fábricas, enquanto Neves destaca a necessidade de regras estáveis por décadas para convencer empresas a migrar.
Efeito sobre aliados e concorrentes
Analistas veem desgaste na relação com parceiros tradicionais, como Coreia do Sul, Japão, Canadá e países europeus. O Brasil tornou-se exemplo recente: após tarifa de 50% sobre o café, a China licenciou mais de 180 empresas brasileiras para suprir sua demanda. “Trump tira comércio dos Estados Unidos e o entrega para a China”, resume Ribeiro.
A postura norte-americana também incentiva aproximação entre membros do Brics. Em 6 de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que conversaria com líderes do grupo para coordenar resposta às tarifas. No dia seguinte, telefonou ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, após Washington aplicar sobretaxa de 50% sobre produtos indianos.

Imagem: TOLGA AKMEN via gazetadopovo.com.br
Hegemonia sob teste
Embora a supremacia dos EUA permaneça, especialistas preveem maior fragmentação do poder global. “Quem antecipa o fim do império americano vai errar por muito tempo”, avalia Ribeiro, enquanto Neves aponta o surgimento de múltiplos centros de influência.
Trump não indica recuo na escalada tarifária. Segundo Ribeiro, eventuais ajustes dependem das eleições legislativas de 2026. Até lá, a incerteza sobre os impactos de longo prazo — no consumo interno, na inflação e na competitividade industrial — continua a marcar o cenário internacional.
Com informações de Gazeta do Povo