Brasília — Iniciado na terça-feira (2), o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal, sob acusação de liderar tentativa de golpe após as eleições de 2022, transformou-se no gatilho para uma negociação que envolve Congresso, Judiciário e partidos de centro-direita. A articulação se apoia em três eixos: anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, limitação dos poderes do ministro Alexandre de Moraes e formação de uma frente eleitoral comandada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), visando 2026.
Movimentação pela anistia
A defesa de um projeto de anistia ganhou impulso logo no primeiro dia do julgamento. Líderes de PP, União Brasil, Republicanos e PL negociam um texto capaz de passar pela Câmara ainda em 2025, num gesto destinado ao STF e também a favor da consolidação de Tarcísio como herdeiro político do bolsonarismo.
Na véspera do início do processo, segunda-feira (1º), Bolsonaro recebeu em sua residência em Brasília o deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da Câmara e principal articulador do Centrão. Segundo relatos, Lira avaliou que só uma mobilização “robusta” garantiria votos suficientes para aprovar a proposta.
Nos dois dias seguintes, Tarcísio esteve pessoalmente na capital federal para reforçar a ofensiva. Ele se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e com os dirigentes Ciro Nogueira (PP-PI) e Marcos Pereira (Republicanos-SP). Antes dos encontros, criticou publicamente o STF e prometeu que, se eleito presidente, concederá indulto a Bolsonaro como primeiro ato de governo.
Membros da defesa dos réus do 8/1 admitem que a absolvição é improvável no Judiciário, o que reforça a busca por saída política. Ainda assim, há resistências: parlamentares envolvidos na redação do texto avaliam deixar Bolsonaro fora da anistia para evitar questionamentos na Corte. Nesse cenário, o ex-presidente só seria beneficiado por eventual indulto em 2027, caso Tarcísio vença a eleição.
Tensão no Senado e resposta do STF
No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União-AP), aliado do Planalto, articula uma versão “light” do projeto que reduziria penas, mas manteria a exclusão de Bolsonaro e de organizadores dos atos. A iniciativa contraria a Câmara e eleva a fricção institucional.
Parlamentares de esquerda reagiram. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), chamou a articulação de “golpe parlamentar”. Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que a manobra aprofunda a crise, e Fernanda Melchionna (PSOL-RS) classificou a proposta como pressão direta sobre o STF.
Durante a sessão de quarta-feira (3), Moraes declarou que “impunidade, omissão e covardia não pacificam o país”, recado interpretado como mensagem ao Congresso.
Cobrança por limites a Moraes
Integrantes da coalizão de centro-direita condicionam o acordo à contenção do ministro. Menciona-se desde pedido de impeachment no Senado até autocontenção interna, hipótese ventilada pelo ministro André Mendonça em palestra no Rio.

Imagem: Alan Santos
As pressões cresceram após o depoimento do ex-assessor do TSE Eduardo Tagliaferro à Comissão de Segurança Pública do Senado, no qual ele relatou supostas irregularidades e disse ter entregue documentos às autoridades dos EUA. O fato reanimou pedidos de CPI da “Vaza Toga” e de suspensão do julgamento.
No mesmo dia, em Washington, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) solicitou ao Tesouro norte-americano sanções contra Moraes e familiares com base na Lei Magnitsky Global. Ele também reiterou que pode disputar a Presidência caso necessário, embora, segundo disse, não haja pressão interna para que abandone o apoio a Tarcísio.
Disputa por 2026
Dentro do PL, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, afirma que Bolsonaro continuará sendo o responsável por definir o candidato da legenda ao Planalto. Nos bastidores, however, Republicanos e PL disputam a filiação de Tarcísio, cada vez mais visto como a principal alternativa da direita.
Para o cientista político Ismael Almeida, a condenação de Bolsonaro é tida como certa e, diante de críticas de parcialidade e provas contestadas, abre espaço para “solução política”. Já o consultor Leandro Gabiati avalia que Tarcísio se projetou nacionalmente sem lançar formalmente a candidatura. O advogado Luiz Filipe Freitas acrescenta que, embora o acordo não encerre a crise, pode reduzir a polarização e dar protagonismo à centro-direita.
A tramitação de um texto de anistia, a queda de braço sobre os poderes de Moraes e a definição de uma chapa competitiva para 2026 seguem como pontos centrais de uma negociação que, segundo seus articuladores, busca um “pacto de pacificação” após os embates iniciados nas urnas em 2022.
Com informações de Gazeta do Povo