Brasília — 04/10/2025 — Especialistas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que a falta de raízes democráticas sólidas no Brasil sustenta o conflito entre grupos de esquerda e direita a respeito da liberdade de expressão e do papel do Supremo Tribunal Federal (STF).
Percepção de poderes excessivos
Levantamento Atlas/Bloomberg divulgado em agosto indica que quase metade dos brasileiros vê o país sob uma “ditadura do Judiciário”. Entre os fatores apontados estão medidas de censura prévia, inquéritos considerados abusivos e decisões com viés político.
Parte da elite estatal e setores da esquerda, no entanto, justificam a atuação do STF como necessária para proteger as instituições. O ministro Luís Roberto Barroso, então presidente da Corte, declarou na abertura do segundo semestre de 2025 que “o processo civilizatório existe para reprimir o mal e potencializar o bem”.
Ciclo de repressão e críticas à transparência
Pablo Ortellado, professor da USP e diretor-executivo da ONG More in Common Brazil, avalia que o protagonismo judicial gera um “ciclo vicioso”. “O STF pressupõe que a direita ataca as instituições e reage duramente; essa repressão incentiva novas críticas, o que leva a ações ainda mais duras”, resume.
Segundo Ortellado, a ausência de dados públicos sobre bloqueios de perfis em redes sociais agrava o problema. Ele lembra que pedidos de informação feitos por veículos como Gazeta do Povo, Folha de S.Paulo e UOL não foram atendidos. “Não sabemos quantas contas foram excluídas porque os processos tramitam em sigilo”, critica.
Para o especialista, muitas decisões configuram censura prévia e minam a legitimidade do Judiciário. “A Justiça precisa ser vista como imparcial. Quando uma parcela grande da população não enxerga isso, há risco para a própria democracia”, afirma.
“Superpoder” e ausência de anticorpos culturais
O historiador Pedro Franco, mestre pela PUC-Rio e pela Universidade de Nova York, avalia que a Constituição permitiu ao STF se tornar um “superpoder”. Na sua visão, essa estrutura se soma à falta de “anticorpos contra a censura” na sociedade brasileira.
Franco observa que, diante de divergências, muitos brasileiros preferem punir quem discorda em vez de argumentar. “Bloquear ou silenciar alguém tende a entrincheirar posições, não a convencer”, diz. Para ele, fortalecer a cultura democrática exige conectar práticas de diálogo a uma ética das virtudes: “Comportamentos bons para a democracia também devem ser bons para a alma do indivíduo”.
Reconhecimento de boa-fé como ponto de partida
Ortellado conclui que o primeiro passo para reduzir a desconfiança mútua é admitir a possibilidade de boa-fé em todos os lados do debate. Só assim, avalia, será possível discutir limites razoáveis para a liberdade de expressão e criar regras equilibradas para o ambiente digital.
Com informações de Gazeta do Povo