O conceito de desenvolvimento na Amazônia tornou-se motivo de embate político, ambiental e econômico ao longo de quatro décadas. A alternância de governos federais mudou sucessivamente as regras para uso da terra, desencadeando ciclos de investimento e interrupção que, segundo especialistas, ampliam a insegurança na região.
Visões que colidem
A ex-deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) defende a revisão das leis ambientais. Para ela, a exigência de manter 80% da cobertura florestal preservada na Amazônia — ante 20% no Sul e Sudeste previstos no Código Florestal — restringe atividades produtivas e “condena a população à miséria”. A ex-parlamentar aponta ainda carências de infraestrutura, segurança pública e saneamento.
O escritor e consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM), Alfredo Lopes, concorda que a falta de uma estratégia nacional atrapalha investimentos. Ele lista gargalos como logística, energia competitiva e políticas industriais adequadas. Para Lopes, a Zona Franca de Manaus demonstra que é possível gerar emprego mantendo 97% da floresta amazônica preservada.
Já o cientista político Adriano Gianturco, professor de Relações Internacionais do Ibmec, diz que a principal pergunta é “para quem a Amazônia deve se desenvolver”. Ele argumenta que decisões precisam priorizar indígenas, ribeirinhos, pequenos produtores e trabalhadores urbanos, não agendas definidas em capitais distantes ou organismos multilaterais. Gianturco compara o Brasil a Singapura para ilustrar diferenças de gestão territorial.
Da ocupação à preservação: idas e vindas oficiais
Anos 1970 — No governo Médici, projetos como a Transamazônica (BR-319) e o Programa de Integração Nacional impulsionaram a abertura de estradas e a criação da Zona Franca de Manaus, com foco na ocupação produtiva da floresta.
Redemocratização — O governo Sarney criou o Ibama e passou a responder a críticas internacionais sobre desmatamento.
Década de 1990 — Fernando Henrique Cardoso instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e firmou o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) com países do G7.
2003 em diante — No primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) fortaleceu fiscalização e criou novas áreas protegidas. Governos estaduais, porém, reclamaram de barreiras a obras de infraestrutura.
Governo Dilma Rousseff — Hidrelétricas como Belo Monte, Santo Antônio e Jirau avançaram sob forte debate socioambiental, enquanto a política federal manteve a criação de unidades de conservação.
Governo Michel Temer — Tentativas de flexibilizar normas atingiram a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) e o Parque Nacional do Jamanxim, mas foram barradas por pressão de ambientalistas.
Governo Jair Bolsonaro — Propôs mudanças no licenciamento ambiental e a repavimentação da BR-319. O discurso oficial exaltou a “soberania nacional” diante de críticas estrangeiras.
Desde 2023 — No terceiro mandato de Lula, a agenda climática voltou a ser prioridade. O governo reativou o Fundo Amazônia, ampliou fiscalizações e conduziu a preparação da COP 30, sediada em Belém em novembro de 2025.
Copa do clima evidencia carências
A realização da COP 30 no Pará expôs problemas de saneamento, logística e energia na Amazônia. Lideranças ouvidas apontam que a interrupção frequente de políticas públicas dificulta avanços estruturais e mantém a região em um ciclo de promessas não concluídas.
A discussão sobre qual modelo de progresso adotar segue dividindo governo federal, estados, setor produtivo, comunidades tradicionais e organizações internacionais — sem consenso sobre o equilíbrio entre floresta em pé e crescimento econômico.
Com informações de Gazeta do Povo