A Suprema Corte do Reino Unido decidiu, na quarta-feira (19), que o modelo atual de Ensino Religioso (ER) e de culto coletivo aplicado nas escolas da Irlanda do Norte fere direitos humanos e, portanto, é ilegal.
Por unanimidade, os juízes entenderam que o currículo em vigor deixa de abordar a religião de forma objetiva, crítica e pluralista, requisito previsto pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Para o tribunal, essa falha equivale a “doutrinação”, termo usado como sinônimo de evangelização ou proselitismo.
Origem da ação
A decisão encerra uma batalha judicial iniciada por um pai identificado apenas como G e sua filha, a menina JR87. Ambos não podem ter os nomes revelados por determinação legal. A família recorreu à Justiça depois que a criança, matriculada em uma escola primária entre os quatro e sete anos, passou a fazer orações antes das refeições em casa. Os pais, que não são religiosos, pediram explicações à instituição e foram informados de que tudo seguia o currículo básico de ER.
Em 2022, o Tribunal Superior de Belfast reconheceu que a prática violava o direito dos pais de educar os filhos de acordo com suas convicções filosóficas e religiosas (Artigo 2 do Protocolo 1 da CEDH) e também o Artigo 9, que protege liberdade de pensamento, consciência e religião. A corte concluiu ainda que o mecanismo de “desistência” das aulas não resolvia o problema, pois poderia estigmatizar os alunos.
O Departamento de Educação da Irlanda do Norte recorreu e, em 2023, conseguiu reverter a sentença. Agora, a Suprema Corte restabeleceu o veredicto original do Tribunal Superior.
Pontos centrais da decisão
Segundo o acórdão:
- o ER deve ser ministrado sem impor uma visão religiosa única;
- a maior ênfase no cristianismo continua permitida, dada a relevância histórica da fé no país, mas não pode excluir outras perspectivas;
- o caso não discute a retirada do ensino religioso das escolas, mas sim a garantia de que ele não constitua doutrinação.
Repercussão
A deputada Carla Lockhart, do Partido Unionista Democrático (DUP), classificou o resultado como “decepcionante”, afirmando que continuará a defender a presença de ensinamentos cristãos no ambiente escolar. Já o bispo católico de Derry, Dom Donal McKeown, disse à BBC não ter se surpreendido com a decisão e vê espaço para atualizar um currículo que já tem quase duas décadas. Ele questiona, porém, eventuais diferenças de aplicação entre escolas públicas e privadas, incluindo instituições confessionais.
Contexto curricular
O programa básico de ER da Irlanda do Norte foi criado em 2007 por quatro denominações cristãs — Igreja Católica, Igreja da Irlanda, Igreja Presbiteriana e Igreja Metodista. A matéria é obrigatória, mas os pais podem solicitar a retirada parcial ou total dos filhos, inclusive das atividades de culto coletivo.
Com a nova decisão da Suprema Corte, o Departamento de Educação deverá revisar o conteúdo para garantir que seja plural e compatível com os padrões de direitos humanos.
Com informações de Folha Gospel