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Investigação dos EUA sobre pirataria no Brasil pode frear mercado de falsificados de US$ 83 bilhões

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O governo dos Estados Unidos abriu, em 15 de julho, uma investigação contra o Brasil por supostas falhas no combate à pirataria e à violação de direitos de propriedade intelectual. O procedimento, conduzido pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, surge após Washington anunciar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e o Palácio do Planalto ameaçar retaliar suspendendo patentes, marcas e direitos autorais norte-americanos.

Embora represente novo capítulo da disputa comercial entre os dois países, a iniciativa pode acabar beneficiando parte da indústria nacional ao pressionar por medidas que reduzam o mercado de falsificações, estimado em US$ 83 bilhões em 2024 — cerca de R$ 463 bilhões, segundo o Anuário de Falsificação 2025, da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF).

Perdas crescentes e setores mais atingidos

O levantamento da ABCF aponta que o valor movimentado por produtos ilegais aumentou 26% entre 2023 e 2024, quando o total era de US$ 66 bilhões. Bebidas alcoólicas, vestuário e combustíveis concentram quase um terço dos prejuízos. Em seguida aparecem artigos esportivos, perfumes e defensivos agrícolas.

As vendas online de itens falsificados mais que triplicaram desde antes da pandemia de covid-19: passaram de 10% para 36% de todo o comércio ilegal entre 2019 e 2024.

Tratados e críticas ao combate brasileiro

Brasil e Estados Unidos são signatários do Acordo sobre Aspectos Comerciais dos Direitos de Propriedade Intelectual (Trips), da Organização Mundial do Comércio (OMC). Apesar disso, o USTR sustenta que o país “falha em combater efetivamente” a importação e a venda de cópias ilegais.

Na nota que anunciou a investigação, o órgão citou a Rua 25 de Março, em São Paulo, como um dos maiores mercados de falsificados do mundo — referência que já constava no relatório Notorious Markets for Counterfeiting and Piracy. A região, assim como Foz do Iguaçu (PR), pode receber sanções específicas.

Para o mestre em propriedade intelectual Luciano Andrade Pinheiro, “a pirataria é um problema mundial” e o combate no Brasil esbarra em diversos fatores, mesmo existindo legislação que criminaliza a prática.

Medidas em estudo em Washington

O advogado Fernando Canutto, do Godke Advogados, lista possíveis punições decorrentes da apuração norte-americana:

  • tarifas seletivas sobre softwares, filmes e produtos tecnológicos brasileiros;
  • exclusão do país do Sistema Geral de Preferências (SGP);
  • exigência de testes técnicos adicionais para exportações;
  • restrições específicas à Rua 25 de Março e a Foz do Iguaçu.

A retirada do SGP, por exemplo, elevaria custos de exportação, enquanto requisitos extras de conformidade podem dificultar o acesso de empresas brasileiras ao mercado dos EUA.

Ameaças de retaliação e impacto na confiança

Logo após o tarifaço de 50% anunciado pelo ex-presidente Donald Trump, o governo Lula acenou com a possibilidade de quebrar patentes, permitir uso de tecnologias sem pagamento de royalties e atrasar ainda mais o registro de marcas — processo que já leva, em média, sete anos, chegando a 9,5 anos para patentes farmacêuticas.

Investigação dos EUA sobre pirataria no Brasil pode frear mercado de falsificados de US$ 83 bilhões - Imagem do artigo original

Imagem: Paulo Pinto via gazetadopovo.com.br

Para Luís Garcia, do Tax Group, recorrer à propriedade intelectual como instrumento de retaliação gera insegurança jurídica e afasta investidores interessados em regras estáveis. O mesmo ponto é destacado por Luciano Pinheiro: “o desenvolvimento tecnológico depende da proteção adequada às criações”.

Dados do Banco Central reforçam a preocupação. O Investimento Direto no País (IDP) somou US$ 33,8 bilhões no primeiro semestre de 2025, queda de 10,7% ante igual período de 2024 e o menor patamar semestral desde 2021.

Lição do contencioso do algodão

Experiência semelhante ocorreu em 2013, quando o Brasil venceu os EUA na OMC sobre subsídios ao algodão. A mera ameaça de suspender proteções de patentes levou Washington a negociar, mas gerou reação contrária de setores brasileiros dependentes de tecnologia estrangeira, lembra o tributarista Leonardo Roesler.

Roesler avalia que, no cenário atual, o embate fornece munição política a Trump e pode resultar em novas sanções, inclusive financeiras, contra empresas e indivíduos brasileiros.

Seis frentes de investigação

Além da propriedade intelectual, o procedimento aberto pela USTR examina outras cinco áreas: restrições a redes sociais e ao Pix, tarifas consideradas injustas, combate à corrupção, acesso de etanol norte-americano ao mercado brasileiro e desmatamento ilegal.

Até o momento, a Casa Branca não sinalizou retroceder nas tarifas nem na investigação. Trump reiterou, durante evento com a União Europeia, que as sobretaxas entram em vigor em 1.º de agosto.

Com informações de Gazeta do Povo