A entrada em vigor da Lei nº 15.270/2025, que impõe Imposto de Renda de até 10% sobre dividendos recebidos por pessoas físicas que ultrapassarem R$ 50 mil ao ano, criou um choque direto com a Lei Complementar 123/2006, responsável por garantir isenção total desses valores aos sócios de empresas optantes do Simples Nacional.
Especialistas alertam que o conflito normativo abre caminho para uma onda de ações judiciais. O presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, estima chances de vitória entre 60% e 70% para os contribuintes que recorrerem, baseados na hierarquia legal que coloca a lei complementar acima da lei ordinária.
Dois dispositivos, duas regras antagônicas
A Lei 15.270 revogou a isenção para empresas que adotam os regimes de lucro real e presumido, mas não mencionou o Simples. Dessa forma, permanecem válidos o artigo 14 da LC 123/2006, que assegura a não incidência de IR sobre lucros distribuídos por micro e pequenas empresas, e a nova regra que tenta tributá-los quando superam R$ 50 mil na declaração da pessoa física.
Segundo o IBPT, o Simples Nacional reúne cerca de 20 milhões de empresas, equivalentes a 70% do total de CNPJs ativos em 2025. A indefinição expõe esse universo a risco de autuações e multas que podem variar de 20% a 150% sobre o imposto devido.
Argumento da hierarquia legal
A advogada Cristina Camara, do escritório Siqueira Castro, reforça que o tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas é tema reservado à lei complementar, conforme o artigo 146 da Constituição. “Uma lei ordinária não tem força para limitar benefício garantido em lei complementar”, afirma.
No mesmo sentido, o professor Arthur Pitman, da Fipecafi, lembra que a proteção ao Simples é também constitucional. Para ele, a tentativa de cobrar IR sobre esses dividendos viola o modelo de favorecimento previsto na Carta Magna.
Tese que sustenta a tributação
Ponto de vista oposto é defendido por Marcelo Costa Censoni Filho, CEO da Censoni Tecnologia Fiscal. Ele argumenta que a Lei 15.270 tributa a pessoa física, não a empresa, e, portanto, não revoga a isenção prevista para a pessoa jurídica enquadrada no Simples. “Os dividendos entram na base do novo Imposto de Renda Mínimo (IRM) criado pela lei”, salienta.
A Receita Federal e o Ministério da Fazenda devem adotar essa interpretação, exigindo que os lucros recebidos de empresas do Simples integrem o cálculo do IRM, cuja alíquota varia de 0% a 10%, de acordo com a renda total do contribuinte.
Litígio à vista e cautela das empresas
Para evitar autuações, empresários terão de optar entre recolher o imposto antecipadamente ou discutir o tema nos tribunais. Olenike recomenda provisionar recursos para um processo que pode levar até quatro anos. Já Censoni lembra que a incerteza amplia o chamado “custo Brasil”, pois o contribuinte pode arcar com multas e juros elevados se perder a disputa.
Enquanto não houver decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, o tratamento dos dividendos do Simples permanecerá em área cinzenta, com impacto direto no fluxo de caixa de milhões de pequenos negócios.
Com informações de Gazeta do Povo