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Do pioneirismo aos tribunais: a trajetória da Varig ainda agita disputa de R$ 3 bilhões

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RIO DE JANEIRO – Quinze anos depois de ter a falência decretada, a massa falida da Varig continua no centro de embates judiciais que envolvem aproximadamente R$ 3 bilhões. A antiga líder da aviação brasileira, criada em 1927 e liquidada em 2010, deixou dívidas trabalhistas, previdenciárias e tributárias que seguem movimentando credores, fundos de investimento e o próprio governo federal.

Primeiro voo comercial do país

A história da companhia começou em 3 de fevereiro de 1927, quando o hidroavião Dornier Do J Wal “Atlântico” decolou do Rio Guaíba, em Porto Alegre, rumo a Pelotas e Rio Grande, abrindo a chamada Linha da Lagoa. Fundada oficialmente em 7 de maio daquele ano, a Viação Aérea Rio-Grandense nasceu sob comando do alemão Otto Ernst Meyer, que reuniu cerca de 500 acionistas gaúchos e contou com apoio da alemã Condor Syndikat.

Expansão e inovações

Ao longo das décadas seguintes, a Varig introduziu a radionavegação (1932), implantou voos noturnos regulares (1934) e inaugurou, em 1942, a primeira rota internacional de uma empresa brasileira, ligando Porto Alegre a Montevidéu. A companhia se tornou referência ao adquirir jatos Boeing 707 em 1960, criar a Ponte Aérea Rio-São Paulo (1959) e lançar o programa de milhagem Smiles.

Entre 1960 e 1980, a empresa absorveu concorrentes como Real, Cruzeiro do Sul e rotas da extinta Panair, alcançando virtual monopólio no mercado doméstico e operando 354 aeronaves em 102 destinos — 70 deles internacionais.

Interferência política e controvérsias

Em 1941, Meyer deixou o comando após ser acusado de colaborar com espionagem nazista. A presidência passou ao funcionário Ruben Berta, que instituiu a Fundação dos Funcionários da Varig, modelo de gestão que perdurou até a crise final.

A empresa também foi marcada por grandes acidentes, como o voo 820, que caiu próximo a Paris em 11 de julho de 1973, causando 123 mortes e acelerando a proibição do fumo a bordo, e o voo 254, que se perdeu sobre a Amazônia em 1989, deixando 12 vítimas e levando a mudanças nos planos de navegação.

A tempestade econômica dos anos 1980 e 1990

O congelamento de tarifas do Plano Cruzado (1986), a abertura do mercado aéreo na década de 1990 e a forte desvalorização cambial de 1999 corroeram receitas e elevaram dívidas denominadas em dólar. A estrutura centralizada da Fundação Ruben Berta mostrou-se lenta para reagir, enquanto novas concorrentes como TAM e Gol avançavam com modelos de menor custo.

Recuperação judicial e falência

Sem fôlego financeiro, a Varig ingressou em recuperação judicial em 2005. Em 2006, a operação saudável foi vendida para a Volo Brasil e, no ano seguinte, repassada à Gol por cerca de US$ 320 milhões, incluindo a marca e o programa Smiles. A “velha Varig” permaneceu com o passivo, até que a falência foi decretada em 20 de agosto de 2010.

Credores ainda aguardam pagamento

Entre os maiores prejudicados estão os participantes do fundo de pensão Aerus, que precisaram de antecipações judiciais pagas pela União desde 2014. Em março de 2024, um acordo homologado pela Advocacia-Geral da União fixou precatório de R$ 4,7 bilhões para compensar perdas da defasagem tarifária; parte dos recursos quitou obrigações trabalhistas e R$ 575 milhões de FGTS atrasado. O saldo, porém, continua bloqueado enquanto se discute cobrança de tributos superiores a R$ 10 bilhões.

Além do Aerus, fundos como FIDC Precatórios Brasil, gerido pelo BTG Pactual, e Maverick tentam assegurar fatias dos valores. Em paralelo, bens remanescentes — de simuladores de voo a mobiliário de escritório — seguem em leilão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

A disputa judicial, iniciada antes mesmo da queda definitiva da companhia, mantém viva nos autos a memória de uma empresa que foi símbolo da aviação nacional e, hoje, representa um dos maiores contenciosos da Justiça brasileira.

Com informações de Gazeta do Povo