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Pressão das big techs nos EUA acirra disputa com governo Lula e eleva risco para negócios no Brasil

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Três entidades que representam gigantes norte-americanas de tecnologia intensificaram o embate entre o governo brasileiro e as chamadas big techs ao enviar manifestações formais ao Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR). Os documentos, protocolados pela Consumer Technology Association (CTA), pela Computer & Communications Industry Association (CCIA) e pelo Information Technology Industry Council (ITI), sustentam que o arcabouço regulatório adotado no Brasil reduz a competitividade e dificulta negociações com empresas dos EUA.

A investigação foi aberta em 15 de julho, a pedido do presidente Donald Trump, com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, mecanismo que permite a aplicação de tarifas ou outras sanções caso sejam constatadas práticas comerciais desleais. O prazo para envio de comentários terminou em 18 de agosto e uma audiência pública está marcada para 3 de setembro. Segundo o ITI, mais de 250 partes interessadas, inclusive companhias brasileiras, apresentaram contribuições.

No dia 26, Trump advertiu em suas redes sociais que retaliará países cujas regras prejudiquem empresas norte-americanas de tecnologia. No Brasil, integrantes do governo e do Judiciário reagiram com discursos em defesa da “soberania digital”, expressão utilizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

Risco de atritos e insegurança jurídica

Para Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em direito digital, o processo aberto pelo USTR desencadeou “uma guerra de narrativas” em que o país perde competitividade. Ele aponta dois riscos principais: atritos comerciais que afugentem investimentos externos e ambiente interno de incerteza regulatória, fator que posterga planos de expansão de grandes empresas e pressiona startups.

Husani Durans de Jesus, diretora para as Américas do ITI, defende que eventuais tarifas sejam “último recurso”, aplicadas apenas de forma temporária e em caso de dano comprovado a um setor. A executiva afirma que o conselho mantém parceria histórica com o Brasil e recomenda diálogo bilateral para evitar medidas retaliatórias.

Principais alegações levadas ao USTR

  • Responsabilidade de plataformas: decisão do STF de junho de 2025 que eliminou o “porto seguro” do Artigo 19 do Marco Civil, permitindo responsabilização prévia por conteúdo de terceiros.
  • Regulação ex-ante de plataformas: projetos PL 2768/2022 e proposta do Ministério da Fazenda (2024) que podem classificar serviços digitais como “sistemicamente relevantes” e impor obrigações prévias.
  • Projeto de Lei de Inteligência Artificial: PL 2338/2023, aprovado no Senado, cria exigências iguais para sistemas de baixo e alto risco e prevê compensação retroativa por uso de obras em treinamento de modelos.
  • Taxa de uso de rede: PL 2804/2024 autoriza a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a cobrar 5% da receita bruta de provedores de conteúdo para financiar telecomunicações locais.
  • Exigências a data centers: Resolução 780/2025 da Anatel impõe requisitos de conformidade, segurança e sustentabilidade sem consulta pública prévia.
  • Espectro de 6 GHz: Resolução 772/2025 reservou 700 MHz da faixa para serviços móveis licenciados, revertendo decisão de 2021 que seguia o modelo da Comissão Federal de Comunicações (FCC).
  • Imposto sobre Serviços Digitais: sete projetos em discussão no Congresso, com apoio do Executivo, miram receitas de plataformas digitais e, segundo as entidades, geram risco de dupla tributação.

As associações também mencionam aumento de IOF, Cide-Royalties e IRRF sobre remessas ao exterior; exigência de conteúdo local; certificação nacional em marketplaces; restrições ao regime ex-tarifário; uso obrigatório do Pix; barreiras técnicas; Plano Brasileiro de IA com ênfase em soberania tecnológica; localização de dados; mercado cinza de dispositivos; mudança na classificação etária de plataformas e ordens extraterritoriais de remoção de conteúdo.

Debate sobre “soberania digital”

O advogado constitucionalista André Marsiglia avalia que o termo “soberania digital” é paradoxal, pois soberania pressupõe limites territoriais, enquanto o ambiente digital se baseia na conexão global. Para ele, o conceito pode ser interpretado como tentativa de ampliar o controle estatal sobre o fluxo de informações.

O desfecho da investigação do USTR pode resultar em tarifas ou outras restrições às exportações brasileiras de tecnologia, aumentando a tensão comercial entre os dois países e impactando decisões de investimento no mercado nacional.

Com informações de Gazeta do Povo