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Governo Lula propõe nova superintendência no Cade para monitorar Big Techs e enfrenta dúvidas sobre uso político

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O Palácio do Planalto enviou na semana passada à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.675/2025, que estabelece um regime antitruste específico para plataformas digitais de grande porte. A proposta, apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mira empresas com faturamento anual superior a R$ 5 bilhões no Brasil ou R$ 50 bilhões no mundo, classificadas como de “relevância sistêmica”.

Nova estrutura dentro do Cade

O texto cria a Superintendência de Mercados Digitais no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O órgão, chefiado por um superintendente indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado para mandato de dois anos, ficará responsável por instaurar processos de designação de relevância sistêmica, fiscalizar o cumprimento das regras e recomendar sanções.

Uma vez enquadradas, as plataformas deverão:

  • evitar autopreferência em buscas e recomendações;
  • garantir acesso de serviços concorrentes dentro de seus ecossistemas;
  • oferecer portabilidade de dados aos usuários;
  • submeter aquisições de startups à análise prévia do Cade.

A iniciativa adapta ao contexto brasileiro conceitos da Digital Markets Act, em vigor na União Europeia desde 2023, voltada ao controle dos chamados gatekeepers – empresas que concentram fluxos de informação e poder econômico.

Avaliação de especialistas

Para a advogada Maria Gabriela Grings, doutora em Direito Processual pela USP, o projeto cria um ambiente regulatório semelhante ao adotado em outros países e pode coibir abusos. Ela cita o caso do Google Shopping na Europa, onde a plataforma priorizava suas próprias ofertas em detrimento de concorrentes.

O advogado Daniel Becker, diretor de novas tecnologias do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, destaca que as mudanças exigirão forte adequação das empresas, sobretudo em governança algorítmica. “Será preciso comprovar transparência nos sistemas de recomendação para demonstrar que não há barreiras à concorrência”, afirma.

Dúvidas sobre possível instrumentalização

Embora o PL não trate de moderação de conteúdo, especialistas reconhecem risco de uso político. Processos de classificação ou imposição de obrigações poderão ser abertos não só pelo Cade, mas também por órgãos da administração pública federal, o que levanta receio de acionamentos motivados por interesses extraconcorrenciais.

O histórico recente de iniciativas como o PL 2.630/2020 — conhecido como PL das Fake News — e decisões do Supremo Tribunal Federal sobre responsabilidade de plataformas reforçam as preocupações. Ainda assim, Grings avalia que o desenho institucional do projeto, com etapas administrativas e direito ao contraditório, reduz as chances de interferência política.

Sem oposição explícita das próprias plataformas digitais, o PL 4.675/2025 segue agora para análise na Câmara dos Deputados com expectativa de tramitação mais rápida que a do PL 2.630/2020.

Com informações de Gazeta do Povo