Em menos de 24 horas, Câmara dos Deputados e Senado Federal trocaram o discurso de resistência a novos tributos por um acordo que colocou R$ 61 bilhões em emendas parlamentares no Orçamento de 2026. O entendimento foi selado entre 17 e 18 de dezembro, após negociação direta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O texto aprovado corta cerca de 10% de benefícios fiscais concedidos a diversos setores, além de aumentar a cobrança sobre bets (apostas on-line), fintechs e distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP). A mudança eleva a arrecadação em aproximadamente R$ 22,5 bilhões, montante necessário para manter a meta de superávit primário de 0,25% do PIB prevista para o próximo ano.
Do impasse à virada
A virada contrasta com a postura adotada pelo Congresso ao longo de 2025. Durante todo o ano, deputados e senadores barraram propostas de aumento de receita alegando que a população estava sobrecarregada. O mesmo conjunto de medidas havia sido reunido na chamada “MP da Taxação”, que caducou em outubro após a Câmara se recusar a votá-la, obrigando o governo a refazer as contas do Orçamento.
Para destravar o tema, o relator Mauro Benevides (PDT-CE) resgatou um projeto antigo sobre incentivos fiscais e, por meio de emendas, incluiu os pontos rejeitados meses antes. A manobra abriu espaço para ampliar as emendas em ano eleitoral.
Valor recorde de emendas
Com o acordo, as emendas chegam a um valor inédito:
- R$ 26,6 bilhões para emendas individuais;
- R$ 11,2 bilhões para emendas de bancada;
- R$ 12,1 bilhões para emendas de comissão;
- R$ 11,1 bilhões destinados a despesas discricionárias e projetos do PAC indicados por ministérios, mas apadrinhados por parlamentares.
Especialistas veem “captura orçamentária”
Para o cientista político João Lucas Moreira Pires, o episódio ilustra um modelo de “governança por captura orçamentária”, no qual a disputa política se concentra no controle do caixa público. Na avaliação dele, as emendas deixaram de ser instrumento acessório para se tornarem eixo central das negociações entre governo e Congresso.
O economista João Mário de França, pesquisador do FGV-Ibre, reconhece que a revisão de incentivos fiscais é tecnicamente justificável, mas afirma que o principal objetivo da votação foi liberar espaço para as emendas. Ele alerta que a exclusão de determinadas despesas da meta fiscal reduz a credibilidade das regras do novo arcabouço.
Calendário e cifras
O Senado concluiu a análise do projeto na noite de 18 de dezembro, um dia depois de a Câmara ter aprovado a matéria. Dois dias depois, em 20 de dezembro, o Congresso encerrou a votação do Orçamento de 2026, já incluindo o novo volume de emendas.
Com o rearranjo das contas, o governo afirma ter fechado o próximo ano dentro da meta, embora economistas estimem que seria necessário um superávit primário próximo de 2,5% do PIB para estabilizar a dívida pública.
A rapidez da tramitação consolidou o maior montante de emendas desde que o mecanismo foi criado. Parlamentares defendem que os recursos viabilizam investimentos em suas bases eleitorais; críticos argumentam que a pulverização das verbas dificulta o monitoramento e enfraquece o planejamento de políticas públicas de longo prazo.
O Palácio do Planalto sancionou o projeto sem vetos, garantindo a entrada dos novos tributos em 2026 e o repasse das emendas no calendário negociado com líderes partidários.
Com informações de Gazeta do Povo