Brasília – Quatro em cada cinco famílias brasileiras vivem endividadas, mais de 40% da população tem renda per capita inferior a um salário mínimo e a taxa de poupança nacional não passa de 14,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O retrato, compilado em levantamento divulgado neste mês, mostra como o descontrole fiscal, juros elevados e traumas inflacionários comprimem a capacidade de poupar de famílias e empresas, deixando o país vulnerável a choques externos.
Juros no maior nível em 19 anos
Com a Selic fixada em 15% ao ano, maior patamar desde 2006, o crédito encarece e as dívidas se acumulam. Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) indicam que 80% das famílias estavam endividadas em outubro. Grande parte da renda extra, portanto, é destinada ao pagamento de parcelas, não à formação de reservas.
Poupança insuficiente para financiar investimentos
O Brasil poupa menos do que economias vizinhas e menos de um terço do índice chinês. Para cobrir a diferença entre a poupança interna (14,5% do PIB) e a taxa de investimento (16,8% no segundo trimestre, segundo o IBGE), o país recorre a capital estrangeiro, elevando a exposição a crises internacionais.
Déficit público persistente desde 2014
Relatórios do Banco Central mostram que as contas públicas registram déficit primário contínuo desde novembro de 2014, com breve superávit entre novembro de 2021 e março de 2023. A estratégia predominante tem sido elevar impostos: em 2024, a carga tributária chegou a 32,3% do PIB, recorde histórico.
A indisciplina fiscal exige juros altos para conter a inflação, o que, por sua vez, encarece o serviço da dívida pública, hoje em 78,1% do PIB – alta de 6,4 pontos percentuais desde o início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Orçamento engessado
Mais de 92% do orçamento da União é composto por despesas obrigatórias, como Previdência, saúde, educação, folha salarial e transferências. Essa rigidez limita cortes e inviabiliza ajustes estruturais, enfatiza o professor Paulo Feldman, da FIA Business School.
Traumas de hiperinflação moldam comportamento
Décadas de inflação alta e episódios de confisco de poupança nos anos 1980 e 1990 consolidaram a preferência pelo consumo imediato. Mesmo após 30 anos de relativa estabilidade monetária, a população mantém desconfiança em aplicações de longo prazo, explica André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Renda baixa e informalidade elevada
Segundo o IBGE, 40% das famílias vivem com menos de um salário mínimo por pessoa. No segundo trimestre de 2025, 37,8% dos trabalhadores estavam na informalidade, sem acesso a crédito barato ou proteção social ampla, o que dificulta a formação de poupança.
Empresas também apertadas
O país possui 23,2 milhões de empresas ativas, mas apenas 37,3% sobrevivem após cinco anos, aponta o IBGE. Em agosto de 2024, 8,1 milhões estavam negativadas, mostram dados da Serasa Experian. Juros elevados restringem renegociação de dívidas e reduzem investimentos em expansão e produtividade.
Investimento público encolhe
O Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre calcula que o investimento governamental somou 2,2% do PIB no ano passado, contra 3,2% em 1994. A combinação de alta carga tributária e serviços públicos de baixa qualidade reforça a percepção de ineficiência: no Government Effectiveness Index do Banco Mundial (2023), o Brasil ocupa a 141ª posição entre 209 países.
Ainda sem uma mudança estrutural que reduza gastos obrigatórios, aumente a poupança e permita cortes de juros, especialistas alertam que o país continuará dependente de recursos externos para financiar crescimento.
Com informações de Gazeta do Povo