Home / Economia / Um ano depois do anúncio, acordo Mercosul-UE ainda esbarra em barreiras políticas e salvaguardas

Um ano depois do anúncio, acordo Mercosul-UE ainda esbarra em barreiras políticas e salvaguardas

ocrente 1765850728
Spread the love

Doze meses após o anúncio festivo de que Mercosul e União Europeia haviam concluído a parte técnica do tratado de livre comércio, o pacto continua sem validade prática. A assinatura oficial está prevista para 20 de dezembro de 2025, durante a Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, mas a implementação efetiva depende de votos parlamentares, trâmites internos e de novas salvaguardas aprovadas pelos europeus.

Próximos passos em Bruxelas

O cronograma no Velho Continente começa na terça-feira, 16 de dezembro, quando o Parlamento Europeu votará o mecanismo de proteção ao setor agrícola. Dois dias depois, em 18 de dezembro, o Conselho Europeu decidirá se endossa o texto principal do acordo. Para avançar, são necessários ao menos 15 dos 27 países-membros, representando 65% da população da UE.

Se houver sinal verde nas duas instâncias, líderes dos quatro países do Mercosul — Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, deverão rubricar o documento no sábado, 20 de dezembro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ocupa a presidência rotativa do bloco sul-americano, será o responsável pela assinatura em nome do Mercosul.

Salvaguardas dividem europeus

Para vencer resistências internas, em especial da França e da Polônia, a Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu aprovou em 8 de dezembro um mecanismo de salvaguardas que permite reativar tarifas caso o aumento das importações do Mercosul prejudique agricultores europeus. O texto reduz prazos de investigação e cria um fundo de compensação a produtores afetados.

A França, no entanto, voltou a declarar em 14 de dezembro que não aceitará um tratado que, na sua avaliação, coloque em risco os agricultores locais. Itália e Áustria já manifestaram reservas em momentos anteriores, enquanto Alemanha, Espanha, Bélgica, Suécia, Croácia e República Tcheca pressionam pela rápida conclusão do pacto.

Impacto só depois de múltiplas ratificações

Mesmo que o acordo seja assinado neste mês, tarifas mais baixas só entrarão em vigor após meses de procedimentos. A parte comercial poderá ter vigência provisória assim que aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, mas a versão completa — que inclui cláusulas ambientais e de competência mista — precisa passar pelos 27 parlamentos nacionais da UE e pelos congressos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Segundo o professor de Direito Internacional Cláudio Finkelstein, da PUC-SP, as dificuldades políticas permanecem “na mesma proporção” do ano passado. Para ele, não há sinal de força motriz capaz de acelerar a entrada em vigor no curto prazo. Já Arno Gleisner, diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), vê chance real de assinatura imediata graças às salvaguardas recém-criadas.

Dimensão do bloco e setores beneficiados

Juntos, Mercosul e União Europeia reúnem cerca de 700 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto combinado de US$ 22 trilhões. Atualmente, a UE é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás da China, com trocas que somaram US$ 95,5 bilhões em 2024 — US$ 48,3 bilhões em exportações brasileiras e US$ 47,3 bilhões em importações, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

O texto negociado prevê a redução ou eliminação de tarifas em 91% dos produtos comercializados entre os dois blocos. Gleisner aposta que setores como tecnologia, terras raras e energia devem atrair investimentos de imediato, enquanto Finkelstein aponta espaço para expansão em petróleo, xisto, minerais e na indústria aeroespacial. Por outro lado, bens agrícolas brasileiros — carne bovina, aves, açúcar e etanol — podem enfrentar cortes tarifários suspensos caso as salvaguardas sejam acionadas.

Para o governo brasileiro, mesmo com eventuais travas, o tratado representa uma oportunidade de diversificar mercados e diminuir a dependência de Estados Unidos e China. “Ainda haverá muito por fazer depois da assinatura”, reconheceu o presidente Lula em novembro.

Com informações de Gazeta do Povo