São Paulo – A divulgação, na primeira semana de novembro, de um vídeo em que o uruguaio Sebastián Marset, um dos traficantes mais procurados do mundo, declara lealdade ao Primeiro Comando da Capital (PCC) expôs a abrangência internacional das alianças do crime organizado brasileiro. Dias antes, uma megaoperação da Polícia Militar do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos da Penha e do Alemão resultou em 113 presos e 121 mortos, entre eles quatro policiais.
Especialistas ouvidos apontam que PCC e CV, classificados como organizações terroristas por Argentina e Paraguai, mantêm conexões com grupos criminosos em diversas regiões do planeta. O PCC, fundado em São Paulo, está mais adiantado nesse processo de expansão.
Disputa por rotas internas
Duas rotas dominam o escoamento da cocaína pelo território brasileiro: a Rota do Solimões, que aproveita o curso do rio homônimo na Amazônia, e a Rota Caipira, que corta o Sul e o Sudeste. O controle desses corredores logísticos é disputado pelas duas facções para abastecer tanto o mercado interno quanto sua projeção externa.
América do Sul: guerrilhas e cartel venezuelano
No entorno do Brasil, PCC e CV firmaram parcerias com produtores de drogas e fornecedores de insumos. O Paraguai aparece como grande provedor de maconha, enquanto Bolívia, Peru e Colômbia lideram a produção de cocaína. Na Colômbia, as facções mantêm contatos com o Exército de Libertação Nacional (ELN) e com dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Ao norte do continente, o venezuelano Tren de Aragua coopera principalmente com o PCC no tráfico de drogas e armas, aproveitando o fluxo de refugiados que cruzam a fronteira por Roraima.
Triângulo com Hezbollah e carteis mexicanos
Investigações brasileiras identificaram ligações do PCC com o Hezbollah na Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina). O grupo libanês forneceria armamento em troca de proteção e acesso a rotas de cocaína.
Documento da Embaixada do Brasil no México, revelado em 2022, apontou contatos do PCC com os carteis Sinaloa e Jalisco Nova Geração. Analistas suspeitam de trocas que envolvem armas de alto poder — como o míssil portátil Javelin exibido em vídeo pelo CJNG — e drogas sintéticas.
Europa e África: máfias e novos mercados
No velho continente, a principal parceira é a máfia calabresa Ndrangheta, além de subgrupos espanhóis, máfias dos Bálcãs e da Albânia, responsáveis pela distribuição da droga.
Na África Ocidental, facções brasileiras operam com redes criminosas na Nigéria, Guiné e Angola. Antes apenas ponto de transbordo rumo à Europa, a região passou a ser também mercado consumidor. No Leste Africano, a presença do PCC foi confirmada com a prisão, em 2020, de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, em Moçambique.
Ásia, Oceania e diversificação de negócios
Relatórios do Ministério Público de São Paulo indicam atuação do PCC em pelo menos 28 países, com foco crescente em Ásia e Oceania, onde o quilo da cocaína pode chegar a 90 mil euros — três vezes o preço médio europeu. Além do tráfico, as facções já exploram garimpo ilegal, contrabando de cigarros, combustível e bebidas adulteradas.
Desafio transnacional
Para o conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberto Uchôa, a expansão transforma o combate às facções em questão que ultrapassa fronteiras brasileiras. Ele defende integração interna entre polícias e cooperação internacional para enfrentar grupos que já operam em vários continentes.
Com informações de Gazeta do Povo