Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) demonstram pouca disposição para aprovar o código de conduta defendido pelo presidente da Corte, Edson Fachin, desde que assumiu o cargo em setembro. A proposta, segundo juristas, encontra forte oposição interna e corre o risco de permanecer engavetada, enquanto decisões recentes reforçam o poder do tribunal e afastam a perspectiva de autocontenção.
Modelo alemão inspira texto, mas quórum mínimo ameaça avanço
A ideia de estabelecer parâmetros de comportamento foi inspirada no Tribunal Constitucional da Alemanha e prevê regras sobre participação em eventos, relações com entidades privadas e transparência no recebimento de recursos. Para entrar em vigor, o texto precisa de seis votos em sessão administrativa do STF, um quórum considerado sensível por magistrados.
De acordo com o constitucionalista Alessandro Chiarottino, o cenário político interno dificulta a votação: “Os próprios ministros definiriam as normas que os atingem, o que provoca resistência”, afirmou.
Episódios recentes impulsionam debate
A discussão ganhou fôlego após controvérsias como a viagem do ministro Dias Toffoli em jato particular ao lado de um advogado do Banco Master, investigado por crimes financeiros, e a decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes que praticamente inviabilizou o impeachment de membros do Supremo — medida depois parcialmente revista.
Mesmo veículos e analistas tradicionalmente alinhados ao tribunal pediram limites institucionais. A Fundação FHC, em outubro, divulgou documento sugerindo regras de imparcialidade, quarentena pós-mandato e restrições a manifestações públicas.
Ministros minimizam necessidade de novas regras
Apesar da pressão externa, integrantes da Corte rechaçam a proposta. Em junho de 2024, durante o Fórum Jurídico de Lisboa, o ministro Alexandre de Moraes declarou “não ver mínima necessidade” de um código específico, alegando que a Constituição já estabelece balizas éticas suficientes.
Juristas apontam risco de autorregulação ineficaz
Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, é “improvável, para não dizer impossível” que o STF aprove regras capazes de limitar efetivamente seus membros. Ele avalia que um código redigido pelos próprios ministros tende a conter brechas e mecanismos de aplicação frágeis, servindo mais como resposta às pressões públicas do que como instrumento de controle real.
A doutora em Direito Público Clarisse Andrade destaca a ausência de fiscalização externa robusta: “Sem participação do Legislativo ou de órgãos independentes, qualquer medida de autorregulação terá impacto restrito”, disse.
Decisões recentes ampliam poder e reduzem controle
Na avaliação de especialistas, a liminar de Gilmar Mendes que alterou trechos da Lei 1.079/1950 exemplifica o movimento de expansão do tribunal. Mesmo após recuar parcialmente, o ministro manteve o Supremo como ator central na definição das próprias regras de responsabilização.
O doutor em Direito Luiz Augusto Módolo considera que o Brasil “tem direito a uma Suprema Corte que responda por seus atos, e não a um grupo blindado”.
Analistas ouvidos apontam que, sem pressão coordenada do Congresso, do Executivo e da opinião pública, a Corte não possui incentivos para abrir mão das prerrogativas acumuladas nos últimos anos. “O STF opera hoje sob lógica de autodefesa permanente; contenção é vista como risco, não virtude”, resume Marsiglia.
Enquanto o debate sobre autocontenção permanece teórico, a tendência predominante é de adiamento da proposta de Fachin, mantendo a Corte sem um código de conduta específico e reforçando críticas sobre excesso de poder e falta de mecanismos de controle externo.
Com informações de Gazeta do Povo