Brasília – Quase 12 meses depois de assumir a presidência do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo mantém a taxa básica de juros em 15% ao ano e enfrenta crescente insatisfação dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), legenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Expectativa política versus prática técnica
Indicado por Lula em meados de 2024 e empossado em janeiro de 2025, Galípolo era visto como figura capaz de aproximar a autoridade monetária do Palácio do Planalto. Ex-presidente do banco Fator e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, o economista tem relação com o PT há mais de uma década, embora não seja filiado. Ao referir-se ao aliado, Lula chegou a chamá-lo de “menino de ouro”.
A aposta política, contudo, não se confirmou. No primeiro semestre, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, classificou como “incompreensível” a elevação dos juros para 15% diante da desaceleração da inflação. Após o Copom manter a Selic em novembro, Gleisi afirmou que o presidente do BC “deixou a desejar”. O líder do PT na Câmara, deputado Lindberg Farias (RJ), chamou a taxa de “indecente”.
Copom reforça alerta fiscal
Atas do Comitê de Política Monetária (Copom) mostram continuidade do discurso adotado na gestão de Roberto Campos Neto, antecessor de Galípolo. O colegiado voltou a destacar que dúvidas sobre a trajetória da dívida pública, expansão de crédito direcionado e menor empenho em reformas estruturais podem elevar a taxa neutra de juros e reduzir a eficácia da política monetária.
Juros mais altos que na gestão anterior
Quando Campos Neto deixou o cargo, em dezembro de 2024, a Selic estava em 12,25% ao ano. Galípolo iniciou o mandato cumprindo o aperto já sinalizado e, após ajustes graduais, estacionou a taxa em 15% em junho. O patamar é o maior em 19 anos e o segundo mais alto do mundo, atrás apenas da Turquia, segundo a consultoria MoneYou.
Relatos do Copom indicam que o nível atual deve ser mantido “por período suficientemente prolongado” para garantir a convergência da inflação à meta.
Inflação cede, mas serviços pressionam
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 3,92% até novembro, menor taxa desde 2021. Ainda assim, a inflação de serviços segue em 5,9% no acumulado de 12 meses, 1,2 ponto percentual acima do observado em novembro de 2024.
Mercado de trabalho aquecido
A taxa de desemprego recuou a 5,4% em outubro, menor patamar da série iniciada em 2012, segundo o IBGE. Entre janeiro e outubro, foram criadas 1,8 milhão de vagas formais, resultado 15,3% inferior ao mesmo período do ano anterior, de acordo com o Caged.
Dívida e crédito direcionado
A dívida bruta do governo geral alcançou 78,4% do PIB em outubro. A Instituição Fiscal Independente (IFI) projeta que o indicador chegará a 82,7% em 2026, enquanto o boletim Focus aponta 83,8% no mesmo ano.
Com os juros básicos elevados, o volume de crédito direcionado – operações subsidiadas pelo governo – atingiu 42,7% de um estoque total de R$ 6,9 trilhões em outubro, maior participação em cinco anos.
Impacto sobre famílias
A taxa média de juros para pessoas físicas chegou a 36,6% ao ano em outubro; a inadimplência no sistema financeiro avançou para 4,9% entre consumidores, maior nível desde março de 2013. Levantamento da Serasa indica 80,4 milhões de brasileiros com contas em atraso, equivalente a 49,2% da população adulta.
Com a sinalização de manutenção da Selic em 15% e críticas recorrentes de integrantes do governo, o Palácio do Planalto tenta conter o desgaste interno enquanto o Banco Central sustenta o discurso de rigor contra a inflação.
Com informações de Gazeta do Povo