A liquidação extrajudicial do Banco Master, determinada pelo Banco Central (BC) após operação da Polícia Federal, revelou uma rede de lobby que atravessa partidos, governos e até o Judiciário. A prisão do controlador Daniel Vorcaro, em 28 de novembro, colocou em evidência relações pouco transparentes que sustentaram o crescimento acelerado da instituição desde 2022.
Expansão fora do padrão chamou atenção de reguladores
Entre 2022 e 2023, o Master multiplicou a captação de recursos via CDBs de alto rendimento e avançou agressivamente no crédito consignado. O movimento, considerado atípico pelo mercado, levantou suspeitas no início de 2024, quando começaram a circular informações internas sobre desequilíbrios contábeis.
No começo de 2025, o Banco de Brasília (BRB) — controlado pelo governo do Distrito Federal — tentou comprar o Master. A proposta foi primeiro suspensa pelo Ministério Público e, depois, barrada pelo próprio BC, reforçando a percepção de risco sistêmico.
Trama política envolve Centrão, PT e figuras do STF
Documentos e relatos apontam que Daniel Vorcaro construiu pontes com diferentes correntes políticas. Aliados do governo Lula atribuem ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) a articulação de uma emenda que elevaria o limite de garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, medida que beneficiaria diretamente o Master ao viabilizar maior emissão de CDBs.
Também são citados Antônio Rueda, presidente do União Brasil, pela tentativa de intermediar a venda ao BRB, e o senador Izalci Lucas (PL-DF), que retirou pedido de CPI sobre o banco. Na oposição, parlamentares destacam a proximidade do Master com o governo petista da Bahia, especialmente por meio de contratos de consignado operados pela Credcesta, ligada a Augusto Lima, ex-sócio de Vorcaro.
Contratos de consignado sob questionamento
Na Bahia, servidores públicos relataram descontos indevidos em folha, juros abusivos e empréstimos não autorizados vinculados ao Master/Credcesta. Decretos estaduais que permitiram essas operações foram contestados na Justiça, mas convênios com o Tribunal de Justiça baiano seguem válidos até 2027.
Relações com ex-ministros do STF intensificam repercussão
Após aposentar-se do Supremo Tribunal Federal, o hoje ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, integrou o comitê consultivo do Master. O banco também contratou o escritório de Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, para representá-lo judicialmente, ampliando questionamentos sobre possível conflito de interesses.
Além disso, integrantes do STF participaram de eventos patrocinados pelo Master em cidades como Nova York, Londres, Paris e Roma, aumentando a pressão por transparência.
Processo chega ao Supremo
Na sexta-feira (28), a desembargadora Solange Salgado, do TRF-1, revogou as prisões preventivas de Vorcaro e mais quatro executivos. No mesmo dia, a defesa obteve o envio do caso ao STF ao apontar a citação de parlamentar com foro privilegiado. Pelo sorteio, a relatoria ficou com o ministro Dias Toffoli.
Debate sobre regulamentação do lobby retorna
Especialistas ouvidos destacam que o episódio evidencia a “zona cinzenta” entre lobby legítimo e captura do Estado. Dois projetos de lei sobre transparência e prestação de contas na atividade de lobby estão parados no Congresso, mas analistas avaliam que, mesmo com regras mais duras, boa parte das negociações ocorreria fora do alcance de fiscalização formal.
Para o cientista político João Lucas Moreira Pires, a sensação é de que “uma elite circula entre gabinetes com liberdade inacessível ao cidadão comum”. Já o professor Vinícius Rodrigues Vieira, da Faap, afirma que o caso mostra como “costas quentes” podem sustentar fraudes de grande porte.
A controvérsia em torno do Master reacendeu, ainda, discussões sobre o fortalecimento de órgãos de controle e o papel da sociedade na cobrança de accountability de parlamentares, gestores públicos e magistrados.
Com informações de Gazeta do Povo