Brasília — O projeto que institui a chamada Bancada Cristã, unificando as frentes parlamentares Evangélica e Católica, pode ser votado em plenário ainda em novembro, após a aprovação do regime de urgência em 22 de outubro por 398 votos a 30. Antes mesmo de ser oficialmente criada, a nova articulação mostrou força política ao obter, nesta quarta-feira (5), a anulação de uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que ampliava o acesso ao aborto para vítimas menores de idade.
Nova liderança com direito a voto
Com mais de 300 deputados, as frentes religiosas querem transformar a união em liderança temática com assento e voto no Colégio de Líderes da Câmara, instância que define a pauta de votações. A negociação é conduzida pelo presidente da Frente Evangélica, Gilberto Nascimento (PSD-SP), e pelo líder da Frente Católica, Luiz Gastão (PSD-CE).
O acordo prevê rodízio anual no comando: Nascimento assume no primeiro ano e, em seguida, o posto passa a um representante católico. Como liderança formal, a Bancada Cristã poderá negociar tempo de fala, indicar membros para comissões permanentes e participar das articulações com o governo e com outros blocos partidários.
Pressão resultou na votação do PDL
Segundo líderes da Câmara, a apreciação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que susta a resolução do Conanda só ocorreu após pressão direta das frentes Evangélica e Católica sobre o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). O texto agora segue para análise do Senado.
Editada em 2024, a resolução do Conanda determinava que crianças e adolescentes vítimas de estupro deveriam ser informadas sobre a possibilidade de interrupção da gravidez, sem exigência de boletim de ocorrência ou autorização judicial. Para os autores do PDL, o dispositivo “cria um direito ao aborto que não existe na legislação”.
A deputada Chris Tonietto (PL-RJ) assinou o projeto que derruba a norma. O relator Luiz Gastão afirmou que o texto “protege o estuprador ao dispensar o registro policial” e “afronta o direito de acesso do nascituro ao Poder Judiciário”. Ele também criticou a ausência de limite gestacional, alegando que, “na prática, abriria caminho para abortos em gestações avançadas”.
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), declarou que “o Conanda não tem o direito de legislar sobre aborto”. Já o deputado Dr. Zacharias Calil (União-GO) argumentou que a resolução “viola os princípios da legalidade e da separação de Poderes, além de comprometer o direito constitucional à autoridade parental”.
Resistência da esquerda e divisão no PT
A votação da urgência escancarou divergências entre governo e oposição. PT e PSOL orientaram voto contrário, sob o argumento de que o Estado é laico e que a bancada configuraria privilégio religioso. Ainda assim, 56 deputados petistas apoiaram a urgência, contra apenas 10 do partido.
O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), classificou a iniciativa como “distorção institucional” e disse que o Colégio de Líderes pode se transformar em um “monstrengo”. A líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), questionou se “outras religiões também terão o mesmo direito”, citando eventualmente uma bancada de matrizes africanas.
O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), da Frente Evangélica, respondeu às críticas afirmando que “o movimento conservador ganha força” com a nova liderança. Nos bastidores, a articulação é vista como gesto de Hugo Motta para se aproximar de grupos conservadores em meio a pautas sensíveis ao eleitorado cristão, como regulação de redes sociais, política de drogas e vetos ao novo marco do licenciamento ambiental.
Com a urgência aprovada, o projeto segue direto ao plenário, sem passar por comissões. Lideranças de esquerda trabalham para adiar a votação, mas o grupo cristão pressiona para concluir a tramitação ainda neste ano.
Com informações de Gazeta do Povo