Brasília, 26 de outubro de 2025 – O projeto de lei 4/2025, que institui um novo Código Civil e é capitaneado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), amplia de 2 para 33 as hipóteses de nulidade contratual e gera preocupação entre juristas e empresários sobre o aumento da judicialização e a insegurança jurídica no país.
Hoje, a legislação aceita a quebra de contrato apenas quando há violação da função social ou da boa-fé objetiva. No texto em debate, essas duas exceções passam a englobar dezenas de situações, o que, segundo especialistas, pode incentivar questionamentos judiciais sempre que uma das partes não quiser cumprir o acordo.
Especialistas veem risco de litígios em massa
Para o professor Paulo Doron R. de Araújo, da Escola de Direito da FGV-SP, o excesso de flexibilização “abre caminho para que praticamente qualquer contrato seja contestado”. O jurista lembra que analisou mais de 10 mil processos nos quais a expressão função social foi usada para rever contratos, principalmente em planos de saúde e operações de crédito. “Ao popularizar o termo na lei, aquilo que era exceção vira regra”, resume.
A advogada Simone Sinis Sobrinho, da Gerência Jurídico-Contencioso da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), reforça a crítica. Segundo ela, o texto “relativiza a força do pacto, amplia a intervenção judicial e utiliza conceitos vagos”, cenário que pode desestimular investimentos e onerar pequenos empreendedores com custos processuais inesperados.
Empresas podem ter de rever linguagem contratual
O especialista em Direito Contratual e Societário Vanderlei Garcia Jr. avalia que a proposta combina dois movimentos: restringe revisões judiciais quando há equilíbrio entre as partes, mas traz princípios abertos que facilitam alegações de assimetria. Enquanto os novos parâmetros não se consolidarem, ele prevê um pico de litígios e recomenda que companhias adotem contratos mais detalhados, com glossários e critérios de revisão claros.
Ponto de vista da comissão de juristas
A relatora-geral da Comissão de Juristas para Atualização do Código Civil, Rosa Maria de Andrade Nery, defendeu a redação em audiência pública ocorrida em 9 de outubro. Para ela, a função social é um conceito “conhecido, discutido e consolidado” pela doutrina e jurisprudência, não justificando as críticas de indefinição.
Exemplos de impactos práticos
Simone Sinis cita que, pelo artigo 421 do projeto, qualquer cláusula que fira a função social será nula. Assim, multas, prazos ou preços acordados – mesmo entre empresas com igual poder de barganha – poderão ser revistos. Em um contrato de fornecimento com preço fixo, por exemplo, bastará uma das partes alegar desequilíbrio econômico para acionar o Judiciário, comprometendo o planejamento financeiro de toda a cadeia produtiva.
Além disso, os artigos 421-D e 421-E introduzem os conceitos de pluralidade negocial e conexidade contratual, permitindo que juízes analisem não só o contrato isolado, mas todo o conjunto de relações econômicas entre as partes – algo inexistente na legislação atual.
Para Vanderlei Garcia, o maior foco de disputa deverá recair sobre a delimitação da função social em cada caso e sobre os critérios que definem a paridade econômica entre contratantes.
O projeto segue em tramitação no Senado, sem previsão de votação em plenário.
Com informações de Gazeta do Povo