O Brasil combina recorde de empregos formais com falta de mão de obra qualificada que impede a liberação de bilhões em investimentos. Enquanto a taxa de desemprego caiu para 5,8%, a menor já registrada, e o número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado chegou a 39 milhões, empresas relatam dificuldades crescentes para preencher vagas que exigem especialização.
Levantamento do FGV Ibre indica que 30,6% das companhias de infraestrutura consideram a escassez de profissionais o maior obstáculo ao avanço de projetos. No cenário global, pesquisa da BDO mostra que 28% dos executivos citam a falta de talentos como um dos três principais riscos aos negócios, percentual mais que duas vezes superior ao do ano anterior.
Combinação de fatores pressiona mercado de trabalho
De janeiro a junho de 2025, foram criadas 1,22 milhão de vagas com carteira, média superior a 200 mil por mês, segundo o Novo Caged. Para o economista Rafael Perez, da Suno Research, a geração de empregos tem sustentado o consumo das famílias e a atividade econômica. Entretanto, analistas alertam que juros elevados devem reduzir o ritmo de contratações; o Bradesco prevê criação líquida inferior a 100 mil postos mensais nos próximos meses.
Questões estruturais agravam o cenário. A alta rotatividade, impulsionada por diferenças salariais relativamente pequenas, e o envelhecimento populacional reduzem o contingente disponível, elevando a disputa por profissionais qualificados.
Setores mais afetados
Tecnologia – A consultoria Korn Ferry aponta carência em engenharia de software, cibersegurança e inteligência artificial. Na pesquisa da BDO, 34% dos executivos de tecnologia, mídia e telecomunicações veem a falta de talentos como um dos maiores desafios.
Automotivo – Transformações ligadas à eletrificação exigem competências em software embarcado e manutenção de veículos híbridos. A Robert Half relata déficit nessas funções.
Óleo e gás – A transição energética amplia a busca simultânea por profissionais experientes em operações tradicionais e em energias renováveis.
Infraestrutura – Projetos já estruturados poderiam destravar R$ 800 bilhões, segundo a Abdib. Sem técnicos especializados, a expansão fica comprometida.
Imagem: Bruno Peres via gazetadopovo.com.br
Indústria náutica – Responsável por 70% da produção nacional, Santa Catarina carece de mão de obra em laminação, elétrica e montagem. “O país ainda não tem cursos específicos para o setor”, afirma Fernando Assinato, CEO do Grupo Armatti & Fishing.
Bares e restaurantes – Levantamento da Abrasel indica que 90% dos estabelecimentos enfrentam dificuldade para contratar e a rotatividade chega a 74,3%. Para Daniella Ishikawa, da iHungry Tecnologia, práticas operacionais defasadas prejudicam a retenção de pessoal.
Construção civil – Pesquisa da BDO revela que 39% dos executivos do setor imobiliário veem o risco de talentos como um dos principais problemas. A falta de trabalhadores qualificados eleva salários e aumenta a rotatividade.
Descompasso entre oferta e expectativa
Para Guilherme Oliveira, diretor de marketing da plataforma de recrutamento Gupy, não basta anunciar vagas: “É preciso que sejam atrativas e acessíveis”. O desajuste entre o que as empresas oferecem e o que os profissionais buscam contribui para o paradoxo de baixo desemprego e falta de qualificação.
A continuidade dos investimentos depende da capacidade de formar, atrair e reter profissionais em ritmo compatível com o avanço tecnológico e as mudanças demográficas.
Com informações de Gazeta do Povo